Por José Euvilásio Sales
A concorrência é algo comum em todos os segmentos do mundo capitalista. Mas, na área do transporte público urbano, é algo cada vez mais raro aqui no Brasil. Duas empresas dividindo uma área e disputando os mesmos passageiros… Para a população é algo muito bom. A “sombra” do concorrente sempre deixa o outro em alerta. Mas, entre os competidores, nem sempre o final é bom para um dos lados…
Há vinte e quatro anos, no dia 25/07/1997, a empresa de ônibus Independência Transportes Coletivos Ltda. começou a operar uma nova linha: a 395TRO Itapecerica da Serra/Jardim das Oliveiras – São Paulo/Metrô São Judas, na região do Jardim Santa Júlia, em Itapecerica da Serra/SP. Ela foi convidada a operar essa linha pela EMTU – Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos, gestora do transporte intermunicipal na Grande São Paulo – porque a sua operadora anterior, a Viação Monte Alegre, desistiu de operá-la. Alegou “falta de passageiros.”
A “falta de passageiros” foi motivada pelo preço da passagem. Na época, a Monte Alegre cobrava R$ 1,60 (tarifa padrão da EMTU pela extensão da linha), sendo que a mesma empresa tinha outra linha, a 010TRO Itapecerica da Serra/Jardim Santa Júlia – São Paulo/Santo Amaro, cujo ponto inicial ficava próximo ao Jardim das Oliveiras, onde era cobrada a tarifa de R$ 1,30. Como a maioria dos passageiros seguia até Santo Amaro, a 395 tinha uma demanda muito menor do que a 010. Os usuários dela, lógico, não se importavam muito com isso, já que não sofriam com problemas de lotação.
A novela – A 395TRO foi inaugurada em 01/06/1997. O evento contou com a presença do prefeito de Itapecerica da Serra da época. A frota da linha era composta por seis Caio Alpha MBB OF1318, prefixos 157 a 159 e 164 a 166. Eles eram veículos titulares da linha 009TRO Embu-Guaçu/Vila Louro-São Paulo/Santo Amaro. Com esse remanejamento, quem perdeu foi a 010TRO Itapecerica da Serra/Jd. Santa Júlia-São Paulo/Santo Amaro já que todos os carros mais novos dela foram remanejados para a 009. Em troca, ela recebeu os carros mais antigos.
A operação da linha 395 era regular. Mas a demanda era fraquíssima devido à diferença tarifária. Por conta disso, 48 dias depois de inaugurada, a Monte Alegre seccionou a linha em Santo Amaro sem autorização da EMTU. E ainda “devolveu” dois carros para a 009TRO, deixando a 395TRO com quatro ônibus. Essa atitude revoltou a toda a população do bairro do Jardim das Oliveiras, que sempre pleiteou uma ligação mais próxima do centro de São Paulo.
Os representantes da prefeitura foram à EMTU discutir a situação. A EMTU, então, ofereceu a linha à Independência Transportes Coletivos, operadora próxima da área da Viação Monte Alegre. Esta a aceitou e, no dia 25/07, chegou ao Jardim das Oliveiras com ônibus seminovos e limpos: três Caio Alpha MBB OF1620 (ano 96), um Caio Alpha MBB OF1318 (ano 96) e outros dois Vitórias MBB OF1318, todos com bancos estofados. Já a Monte Alegre, com seus carros quatro Caio Alpha MBB OF1318 (ano 96) com bancos de fibra, continuou rodando. Por dois dias, a mesma linha foi operada pelas duas empresas: a Independência a operava por completo e a Monte Alegre até Santo Amaro. Agora o detalhe: a Independência estava cobrando R$ 1,30, o mesmo preço que a Monte Alegre cobrava até Santo Amaro tanto na linha reduzida quanto na 010.
A partir desta data, as duas empresas passaram a disputar o passageiro ponto a ponto. A Monte Alegre, que pertencia ao grupo da Viação Jurema, que operava as linhas municipais de São Paulo próximas à divisa São Paulo/Itapecerica, colocou mais carros na 010. Os moradores da região adoraram, já que era ônibus a toda a hora. Mas, mesmo com menos carros e percorrendo um trajeto bem maior, a 395 ganhava na preferência da maioria dos usuários. Em muitos horários os carros da Monte Alegre rodavam praticamente vazios.
Em junho de 1998, a Monte Alegre apelou: reduziu a tarifa da linha 010TRO para R$ 1,00, a mesma tarifa da cidade de São Paulo. Os carros da Independência rodaram vazios durante toda a manhã daquele dia até que, a tarde, ela também reduziu sua tarifa para R$ 1,00. E, pra completar, colocou mais dois carros na linha.O contra-ataque da Independência deu certo e a estratégia da Monte Alegre acabou não surtindo o efeito que ela desejava. A população continuou a usar a 395 em peso. E, de quebra, a redução tarifária ajudou a Independência a ganhar mais passageiros. Como a 395 percorria boa quilometragem dentro da cidade de São Paulo, com a mesma tarifa praticada no município, acabou ganhando usuários dentro da própria cidade de São Paulo.
No fim de 1999 a Monte Alegre entregou os pontos na região do Santa Júlia. Desistiu da linha 010 e a repassou para a Independência. E, junto, vendeu doze carros para que a Independência pudesse operá-la.
Mas isso não foi o suficiente para que a Viação Monte Alegre pudesse respirar sossegada… Em meados do ano 2000, ela cedeu o restante de suas linhas e frota à Independência e fechou as portas… A partir daí, todas as linhas intermunicipais que iam do Embu-Guaçu e de Itapecerica da Serra, via Estrada do M’Boi-Mirim, para São Paulo passaram a ser operadas pela Independência. Já a Viação Monte Alegre foi incorporada à Viação Jurema.
Histórias de concorrência como esta existiram aos montes… Mas hoje, em nome da melhor eficiência do sistema, diminuição de custos, entre outras coisas, os gestores do transporte urbano estão optando por acabar com ela, deixando grandes áreas para um operador único. A “sombra” do concorrente deu lugar a do gestor… Que, em muitos lugares, não é – e nem faz questão de ser – tão ameaçador quanto a do concorrente.
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